Como Parecer Calmo Enquanto Grita por Dentro?
- UN4RTificial

- 7 de set.
- 7 min de leitura
Atualizado: 20 de set.
Vivemos em uma sociedade que, em nome da “moral e dos bons costumes”, incentiva sorrisos plásticos, enquanto estes, na maioria das vezes, ocultam uma verdadeira orquestra de pensamentos frenéticos, corações disparados e ataques de ansiedade.
Esse paradoxo humano, de exibir serenidade e confiança enquanto a alma faz cosplay de vulcão em erupção, é quase uma arte.
A performance, sem dúvidas, seria digna de um Oscar, isso se houvesse a categoria “Melhor Fingimento Social”.
Sendo assim, a pergunta é: "Como parecer calmo enquanto, por dentro, estamos mandando meio mundo para aquele lugar?"
A Sociedade do “Tô bem” - quando não está
No universo paralelo do status quo, o dizer “não estou bem” é quase um ato de rebeldia. A regra geral é muito simples: sorria e acene, diga que está tudo “ótimo”, poste uma foto e engula os gritos internos. A nossa sociedade premia aqueles que controlam suas emoções, mesmo que esse controle seja apenas cosmético – e impermanente.
Digamos que essas exigências para se demonstrar uma calma constante se tratam de algo tóxico e até mesmo cruel. Seria como se pedíssemos para um vulcão se comportar como uma fonte de jardim.
O resultado disso pode ser muito menos glamoroso; muitas pessoas que sorriem em público choram em posição fetal quando sozinhas.

Filosoficamente falando, esse comportamento forçado gera algumas contradições, entre elas estão os desejos de autenticidade que se escondem por trás de máscaras. Queremos emoções verdadeiras, mas aplaudimos os que parecem de ferro.
Assim, o fingir calma se torna o novo ritual social – uma liturgia silenciosa, em que todos, no fundo, sabem que ninguém é 100% “zen”.
Como Parecer Calmo no Mundo Corporativo da Serenidade Fingida
Aqui é onde a calma fingida já virou pré-requisito nas descrições das vagas.
O “saber trabalhar sob pressão” nada mais é do que a habilidade de não jogar o teclado do computador pela janela ou acertá-lo em alguém, enquanto os prazos se finalizam.
As empresas já não querem mais contratar funcionários estáveis; elas querem atores que sejam capazes de sorrir em uma reunião enquanto a confusão mental reina absoluta.
Traduções reais dos jargões corporativos:
“Resiliente” = aguenta bronca e má-educação sem reclamar.
“Espírito de equipe” = suporta a incompetência coletiva sem colapsar.
“Perfil multitarefa” = realiza três ou mais trabalhos, sendo pago mal e porcamente por um deles.
A serenidade fingida é tão valorizada que já virou moeda de troca. Aqueles que aparentam calma são promovidos, mesmo que por dentro estejam em estado de guerra civil.
Quando a Calma é apenas uma Performance
A vida social pode ser equiparada a uma arena de julgamentos. Aqueles que desabafam demais com os outros são “carentes”, os colegas que demonstram raiva são “instáveis”, as pessoas que choram em público são “fracas”.
Uma das consequências disso é quando nos tornamos atores compulsivos, interpretando a calma para não sermos excluídos dos grupos.
A serenidade coletiva é, mais uma ilusão compartilhada, um pacto de silêncio.
Um exemplo trivial disso seria aquele casal que briga em público, olhares sérios, frases ditas com os dentes serrados. Por dentro, os dois podem estar querendo se engolir vivos, mas, diante de uma plateia, atuam como um “casal perfeitamente normal”. Até porque, “lugar de lavar roupa suja é em casa”, não é mesmo?
A nossa sociedade não apenas aceita, mas exige todo esse teatro. A normalidade virou um código de etiqueta, tão importante quanto dizer um “bom dia”.
A Máscara do Sábio
Os famosos estoicos possuíam uma certa mania de racionalizar as emoções, oferecendo assim um manual perfeito para parecermos calmos.
O imperador multitarefa Marco Aurélio escreveu em seu diário “Meditações” sobre como manter a serenidade diante do caos generalizado do império.

Uma tradução mais moderna e ousada sobre suas lições poderia ser: sorria para o chefe, mesmo que ele esteja arruinando a sua tarde com pedidos que vão além da sua função – e do que ele te paga.
Princípio estoico aplicado: se você não pode mudar a situação, mude sua reação a ela.
Exemplo prático: enquanto aquela pessoa amiga repete pela milésima vez o mesmo tema de conversa, você não precisa explodir – apenas respire fundo e imagine-se como uma estátua romana, imóvel e indiferente.
É claro que nem todo mundo nasceu um Buda de terno e gravata, mas treinar algumas pequenas pausas mentais já é uma grande ajuda.
Rindo do Próprio Desespero
O grande Diógenes de Sinope, filósofo cínico, vivia em um barril e vivia debochando de tudo e todos.
Se ele vivesse nos dias atuais, provavelmente nos diria que não precisamos parecer calmos, apenas assumir que estamos gritando por dentro e transformar isso em piada.
O humor ácido funciona como uma válvula de escape. Quando estamos em meio a uma crise silenciosa, é quase terapêutico poder dizer: “Estou tão zen, até pareço um furacão em férias”. O riso tem o poder de desmontar tensões.
Exemplo cotidiano: se você estiver em uma reunião interminável e já se sentir em estado de combustão interna, pode soltar um: “Eu adoro perceber como nós conseguimos discutir por duas horas sem resolver absolutamente nada”. Talvez todos possam rir, diminuindo a tensão e sem perceber que você já estava querendo fugir para as colinas.
Diógenes nos diria que fingir calma não passa de hipocrisia social. Mas, já que vivemos em sociedade, usar o sarcasmo como maquiagem emocional pode ser um truque eficiente.
A Arte do Controle de Expressão Facial
Fingir tranquilidade também é uma questão de estética; o nosso rosto é o palco principal onde as nossas farsas se apresentam.
Enquanto, por dentro, a confusão lateja, é o nosso semblante sereno que engana a plateia.
Psicólogos chamam isso de “regulação emocional de superfície”. Eu chamo de “cara de paisagem”.
Técnicas clássicas:
Sorriso neutro: não muito aberto (pois pode aparentar desespero), não muito fechado (pois parece rancor ou impaciência).
Olhar fixo: mantenha contato visual, mas sem parecer que quer devorar a alma da pessoa à sua frente.
Respiração lenta: isso engana até a nós mesmos.
Esse teatro facial já foi descrito em diversos livros de autoajuda, mas a versão simplificada é: seja uma esfinge, não um emoji. Quanto mais indecifráveis formos, mais pareceremos calmos aos olhos dos outros.
O Corpo Grita mais alto que a Alma
Não vai adiantar de nada manter a cara serena se o corpo nos denuncia: mãos que tremem, pernas balançando, voz trêmula…

Para aparentar calma, é necessário treinar o corpo como se fosse um ator de Hollywood.
Postura ereta: transmite confiança mesmo quando a mente está despirocando.
Gestos contidos: nada de rodar a caneta como se ela fosse uma hélice de helicóptero.
Movimentos lentos; se tudo está acelerado por dentro, desacelere no exterior.
Na psicologia comportamental, isso é chamado de “feedback facial e corporal”. Ao ajustarmos corpo e rosto, nós também influenciamos a mente. É quase como enganar nosso próprio cérebro, transformando uma simulação em algo quase real.
Aceitando o Grito Interno
Enquanto os estoicos defendem o autocontrole e os cínicos zombam das convenções sociais, o budismo propõe algo bem diferente, o aceitar: grito interno sem reprimi-lo.
A prática de mindfulness (atenção plena), sugere que nós não precisamos lutar com a confusão interna e sim apenas observá-la como quem assiste a uma tempestade na televisão.
Isso parece simples, mas carrega uma profundidade quase cruel. O truque aqui é não parecer calmo, mas compreender que a calma existe até em meio a uma tormenta.
Exemplo prático: digamos que você esteja em meio a um engarrafamento absurdo. Em vez de fingir que não está irritado, perceba a sua irritação, respire fundo e aceite a situação: “Estou preso. Não há nada a fazer além de estar onde estou.”
Digamos que esta é uma visão bem menos teatral e muito mais honesta, que exige coragem para admitir que a paz não está em disfarçar os gritos, mas sim em escutá-los sem se perder neles.
O Preço da Serenidade Forçada
Por trás de todo o fingimento, sempre existe um preço a se pagar. Engolir emoções repetidamente pode levar a um esgotamento mental, o famoso burnout. Fingir uma calma não existente é como usar uma máscara tão apertada que deixa a pele em carne viva.
Sintomas clássicos de desgaste:
Irritação sem motivo aparente.
Dificuldades para dormir.
Explosões repentinas por coisas pequenas.
Sensação de viver no “piloto automático”.
A ironia cruel disso tudo é que a nossa sociedade premia o fingimento, mas não oferece espaço para lidar com as consequências dele.

Quanto mais fingimos calma, mais nos afastamos do que realmente sentimos e de nós mesmos. Nos tornamos atores amadores da peça chamada “Normalidade”. E, muitas vezes, não sabemos que, como qualquer performance, a encenação sempre possui um prazo de validade.
A autenticidade exige uma vulnerabilidade consciente, mesmo que o mundo ainda não esteja preparado para acolher os vulneráveis. A farsa exige atuação, mas viver eternamente desta forma cansa.
Aqueles que não aprendem a lidar com os gritos interiores podem acabar ouvindo-os cada vez mais alto, até que a máscara não mais resista a eles.
Desta forma, a busca resida em um maior equilíbrio, no qual escolhemos de maneira consciente quando atuar e quando sermos reais.
Síntese de uma frase
Todos nós fingimos. Alguns, melhor e outros, nem tanto.
Fingir ou não fingir, eis a questão
Minha visão disso é muito simples:
Fingir calma pode, sim, ser um presente ao outro. Onde poupamos os demais de nossos gritos e evitamos explosões desnecessárias. Porém, ao vivermos na base do fingimento, é colocarmos-nos em uma prisão.
É importante saber escolher bem onde e com quem deixaremos nossos gritos reais correrem soltos. Caso contrário, a calma aparente se torna uma anestesia permanente e viver dessa forma anestesiada é o oposto do que significa viver.
A busca por (auto)conhecimento é essencial.
Pergunte-se: “Em que situações eu posso estar fingindo calma?” E “Quando estou, de fato, calmo?”
Reconhecer essa diferença nos ajuda a avançar em nossa jornada.

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Fontes, referências e inspirações:
Marco Aurélio, Meditações.
Diógenes de Sinope, textos sobre filosofia cínica, fragmentos e relatos de Diógenes Laércio.
Tradições budistas (Dhammapada) e práticas de mindfulness.
Estudos sobre psicologia comportamental e regulação emocional.
Experiências pessoais no mundo corporativo e cotidianas, sátiras sociais.
Friedrich Nietzsche, O Crepúsculo dos Ídolos.
Eckhart Tolle, O Poder do Agora.




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