Entre os símbolos e a lógica: o ponto onde o pensamento ganha sentido
- UN4RTificial

- 19 de out.
- 9 min de leitura
Não é novidade nenhuma o fato de você raciocinar por meio de palavras, imagens, gestos e símbolos. A razão não paira sobre as coisas como uma espécie de drone onisciente o chão onde ela pisa é semiótico.
Sem símbolos, não há conceitos; sem conceitos, não há comparação; sem comparação, não há escolhas. E, sem escolhas, o que nós chamamos de “razão” se torna apenas um reflexo, uma reação.
Neste artigo, vamos falar um pouco sobre o lado B da mente – quando símbolos interpretados sem a ação da razão se tornam uma mera superstição - algo que pode custar caro.
Sabe aquele curso que promete “desbloquear a sua mente” a partir de um determinado arquétipo? Então.
Digamos que essas “soluções” são as versões gourmet do mapa astral e das decisões de alto risco. Pois o problema não é, nem nunca foi, o não saber interpretar símbolos, sinais, sincronicidades…
Estas coisas são soltas, não existem “testes” inseridos nelas, não existe necessidade de “desbloqueá-las”. Elas não confrontam a realidade objetiva.
Portanto, quem não sabe diferenciar metáfora de modelo, rito de método e poesia de prova se torna uma presa fácil – e barata – da pedagogia dos milagres.
A Razão pisa em Símbolos: o óbvio que fingimos não ver
A razão humana possui a necessidade de nomear, comparar e inferir. E tudo isso carece de representações: palavras, números, diagramas, ícones, mapas…

O cérebro não acessa o “real” em 4K, ele modela os estímulos que recebe. Os símbolos são parte destes estímulos modelados, são simplificações úteis que nos permitem operar sem colapsar.
As palavras, por sua vez, recortam a ideia de continuidade destes símbolos em categorias: “árvore”, “injustiça”, “risco”, “bem”, “mal” etc.
Os números guardam as proporções e taxas destas categorias. Desta forma, é sempre bom não confundir “10%” com “sempre dá certo”.
Já as metáforas criam uma ponte entre o desconhecido e o conhecido: “tempo é dinheiro”, “a mente é uma máquina”...
Sem a existência disso tudo, não existe lógica e, sem lógica, não existe verificação e sem verificação, não existe aprendizado – somente uma opinião muito estimada.
Símbolos sem o uso da Razão: quando o mapa sequestra o território
Agora, quando ocorre o reverso, no momento em que o símbolo vira idolatria, o raciocínio resolve tirar férias.
A mente vira o reino do “tudo é símbolo” – um slogan que até parece profundo, mas serve como a faca que corta e separa afirmações de evidências. É quando as metáforas viram dogmas, os mitos viram manuais de operação e os “insights” viram desculpas para pular o gasto de energia, levando a mente a buscar validação.
Alguns exemplos cotidianos disso:
Ditados populares e jargões que anestesiam o pensar: “sinergia quântica do mindset”. Traduzindo: ninguém mediu coisa nenhuma, mas vende-se a informação como fato científico.
Cursos com selo arquetípico: meia dúzia de mitos rearranjados a fim de parecerem um método.
Linguagem de guru: “não é para entender, é para sentir”. Ótimo para artes, mas péssimo para contratos, cirurgias e políticas públicas reais – aquelas que, de fato, são pró-povo e não pró-candidato/partido.
O resultado destes exemplos? Pessoas decidindo para onde ir com os olhos fechados e com as mãos no volante.
O casamento necessário: símbolos como hipótese, razão como teste
Os símbolos propõem e a razão expõe. O primeiro cria analogias, o outro as questiona: “Isso realmente funciona quando saio da minha cabeça e vou para o mundo?”.
É assim que as teorias encontram o solo: o símbolo formula, a razão mede e a realidade, consequentemente, responde.

Na ciência, um modelo é um símbolo matemático. Ele vale enquanto prediz.
No direito, os princípios são símbolos normativos, válidos quando coerentes e consistentes com os casos.
Na vida prática cotidiana, a “vibe boa” de alguém é um símbolo do acúmulo de experiências – que sim, são falíveis – portanto, sempre convém checar, questionar.
Se você só tem símbolos, acaba vivendo um eterno teatro. Se só tem razão – sem símbolo – acaba virando um autista conceitual, apenas tecnicismos que não conversam com ninguém.
Uma forma de interação segura entre símbolos e razão seria:
Metáfora → hipótese → teste → revisão da metáfora.
Crenças moldam comportamentos: por que sua mente puxa o tapete do seu juízo
As crenças deterministas (do tipo “eu nasci assim”), são irreais (“o universo conspira para mim”) e ilusórias (“se visualizei, logo existe”) orientam o que você faz, evita e enxerga. O filtro sempre precede o fato.
Viés de confirmação: você procura símbolos, sinais que confirmem suas crenças e ignora o resto.
Ilusão de profundidade: frases vagas e ditados populares parecem sábias. “A realidade é energia” – o.k., e daí? Apenas a repetição destas frases não faz com que as entendamos de fato.
Fatalismo motivacional: ideias da existência de um destino fixo, “estava escrito”, fazem com que nada seja sua responsabilidade. Confortável? Sem dúvidas! Improdutivo? Também.
Isso não quer dizer que tenhamos que virar céticos, cínicos ou niilistas, mas sim reconhecermos que o jeito como nomeamos o mundo altera o mundo que percebemos – e como agimos nele.
Quando o “tudo é símbolo” vira uma desculpa
Essa frase é elegante, instagramável e… relativamente perigosa. Por quê?

Escorrega na checagem: se tudo é interpretação subjetiva, então nada pode ser verificável.
Vende atalhos: “interpretou certo, resolveu a vida”.
Premia autoridades carismáticas: quem decide o que o símbolo “realmente” quer dizer vira oráculo, expert...
É assim que nascem os métodos sequestradores de mitos, as ferramentas que prometem transcendência em 7 passos e as narrativas que confundem rito com resultado.
Símbolo sem razão = encenação.
Razão sem símbolo = alienação.
Adultos que pensam por conta própria precisam dos dois.
Linguagem puxa o pensamento e o pensamento devolve o favor
As metáforas não são enfeites, são infraestruturas cognitivas.
“Guerra às drogas” chama tanques e evidencia a primeira palavra.
“Saúde pública” chama por mais enfermeiros, profissionais e melhorias nos sistemas de atendimento - que, muitas vezes, não ocorrem na práticas mas são prometidas por anos.
“Cortar gastos” e “otimizar despesas” podem apontar para a mesma tabela, mas conduzem a decisões e visões interpretativas diferentes.
Nomear é enquadrar.
Framing, que significa a maneira como a apresentação ou a "moldura" de uma informação afeta a forma como nós percebemos e interpretamos essa informação. Ele muda o risco percebido.
Metáfora, quando coerente, pode sugerir solução antes de se ver o problema.
Jargão cria tribo e, com ela, muitas vezes, lealdade cega e ignorância.
Se você não escolhe de maneira consciente o vocabulário com que pensa, alguém, com certeza, o fará por você.
Mapa, bússola e terreno

Pense no seguinte: símbolos são mapas, a razão é a bússola, a realidade é o terreno.
O mapa te dá a macrovisão (metáforas, números, palavras, esquemas, pensamentos…).
A bússola evita que você ande em círculos (conhecimento, consistência lógica, questionamento, análise, teste, revisão, ação…).
O terreno te ensina o que o mapa não mostra – o mapa não é o território – (atrito, problemas, incoerências, injustiças, atrocidades, gente real agindo…).
Navegação adulta e consciente funciona de maneira triangular. Isso significa que:
Usar só o mapa faz com que você bata de cara em uma árvore.
Usar só a bússola faz com que você ande em linha reta até cair em um abismo.
Usar só o terreno faz com que você apenas sobreviva de maneira aleatória, não adaptada.
O fetiche pelo “inefável”: quando o véu vira produto
“Não dá para explicar, só sentir.”
Você já ouviu essa frase? Pois é, eu também.
A experiência estética pode, sim, ser inefável, mas a decisão que mexe com a vida dos outros não pode. O que é bonito de se sentir deve ser traduzível ao mínimo necessário para que possa ser comunicado, debatido, auditado... Do contrário, não teríamos um aparelho vocal e vocabulário complexos.
Se algo não pode ser explicado em uma linguagem simples, podemos elaborar três hipóteses possíveis:
O fenômeno é complexo e você ainda não entendeu o que ele quer dizer;
O fenômeno é simples e você está complicando para que este pareça profundo;
Você não compreende o que significa inefável mas faz de conta que sim.
Em todas as hipóteses, a responsabilidade é facilitar o entendimento e ser sincero, não misticizá-lo.
O labirinto de promessas
Nos últimos anos, principalmente, nós vemos o constante crescimento do mercado lucrativo de “símbolos de bolso”, de livros e cursos que “reprogramam crenças em 72 horas”, ferramentas de “consciência que manifestam abundância”, métodos que “quebram seus limites” com meia dúzia de arquétipos e algumas analogias.

Isso funciona – muito bem – para vender, porque reduz o trabalho interno substituindo-o por slogans heroicos. Porém, a vida real e prática exige a comparação de explicações, a medição de efeitos, a aceitação dos erros... Pois, sem isso, o símbolo vira autoajuda performática: catártica, motivadora e estéril quando se trata de prever possíveis problemas, corrigir comportamentos e agir de acordo.
Paradoxos produtivos: o jogo refinado entre mito e método
Um mito coerente usado com o método “errado” pode inspirar, mas não entregará nada.
Um método coerente usado com um mito “errado” funciona, mas ninguém segue.
Quando método e mito estão em harmonia, o significado mobiliza e a verificação os melhora.
Ideias reais, ciência séria e artes vivem nesse atrito, mas de maneira construtiva: o sentido é usado para instigar e incentivar e as métricas são usadas para corrigir a fim de se obter melhores resultados.
Tribos, símbolos e a síndrome separatista
Os símbolos agrupam. São ótimos para gerar sensação de pertencimento, mas péssimos quando viram armas de segregação. O algoritmo ama essa dramaturgia porque a indignação mantém a sua atenção. E a sua atenção é lucrativa, movimenta milhões.
Existe defesa para isso? Sim, humildade intelectual.
Ter consciência de que o símbolo que você adora pode ser seu preferido, mas ele é apenas um recorte, um pedaço ínfimo do macro e não é o real – é o que você aceita como tal.
Pessoas que não sabem lidar ou sustentar nuances diferentes das suas se tornam apenas torcedores, peões no grande jogo. E, torcedores e peões não debatem, eles apenas defendem ideias - mesmo que ilusórias e injustas - feito escudos humanos.
Sanidade – sem milagre e absolutismos

Traduza a metáfora em si: Qual hipótese operacional ela sugere?
Questione sobre as previsões: o que, especificamente, deve acontecer se a ideia for coerente? Esta ideia pode ser considerada verdadeira?
Procure as falhas: em que contexto isso pode não funcionar?
Separe estética de eficácia: algo pode ser bonito, mas ineficiente, feio, mas eficaz…
Atualize suas informações sem drama: se os dados mudam, a opinião também muda.
Simples.
Nada disso irá lhe transformar em um robô. Irá evitar que você vire figurante de narrativas alheias.
Tome a vacina anti-engano
Rirmos de nossas próprias certezas é desintoxicante. Ironia não se trata de crueldade gratuita, é apenas higiene cognitiva. Ela fura bolhas sem pedir licença, expondo as ideias vazias, lembrando que estas ideias nem sempre possuem dignidade – mas que as pessoas sim.
Se a sua verdade mais absoluta, a tese/explicação/certeza favorita aguenta uma piada, isso é um ótimo sinal.
Síntese

Nós pensamos com palavras e imagens. Isso nos ajuda a "entrar" no mundo social, mas, às vezes, acreditamos em ideias que parecem bonitas e esquecemos de ver se elas de fato funcionam na prática. O melhor seria usarmos as duas coisas: raciocinar e testar. Assim, aprendemos a não cair em truques.
Um tapa na cara metafórico
Se você é do tipo que se esconde atrás de metáforas a fim de não precisar encarar fatos, tudo bem, mas saiba que isso não é profundidade, é preguiça.
Já se você é daqueles(as) que despreza símbolos, que acha que só “dados e fatos contam”, tudo bem também, mas é interessante que você tenha conhecimento de que está flertando com a desumanidade.
Cresça cognitivamente – os símbolos servem à razão e a razão disciplina os símbolos. Quem vende atalhos simbólicos sem medir nada está te vendendo fantasias – e você está comprando-as. Quem vende números sem sentido também está vendendo crueldade – mesmo que de maneira inconsciente.
É preferível, na minha opinião, escolher ser adulto.
Afinal, a razão precisa dos símbolos para representar e os símbolos precisam da razão para prestar contas. Entre o mito que inspira e o método que corrige, existe um diálogo duro, porém fértil – o único que transforma crença em conhecimento aplicável, intenção em resultados e retórica em responsabilidade.
Não existem milagres, existe trabalho: pensar, formular, questionar, testar, ajustar, acreditar, agir…
O resto? É só cortina de fumaça.

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“A ilusão se desfaz quando questionamos a realidade” – UN4RT
Fontes recomendadas:
Ernst Cassirer, Ensaio sobre o Homem.
Umberto Eco, Tratado Geral de Semiótica.
Ferdinand de Saussure, Curso de Linguística Geral.
Charles S. Peirce, Escritos Selecionados / Semiótica.
Ludwig Wittegenstein, Investigações Filosóficas.
George Lakoff e Mark Johnson, Metáforas de que Vivemos.
Daniel Kahneman, Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar.
Antonio Damásio, O Erro de Descartes.
Michael Polanyi, O Conhecimento Tácito.
Karl Popper, A Lógica da Pesquisa Científica.
Leituras complementares que podem ser úteis:
Hans Georg Gadamer, Verdade e Método.
Philip Jonson-Laird, Modelos Mentais.
Ian Hacking, Representar e Intervir.
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