A Ignorância Não É uma Bênção!
- UN4RTificial

- 20 de set.
- 6 min de leitura
Se existe um ditado popular que insiste em perdurar, é: “A ignorância é uma bênção”.
Essa frase até parece uma poesia barata, pregando a ideia de que quanto menos sabemos, menos sofremos.
Mas será que essa ideia, doce como chocolate feito de gordura hidrogenada, realmente se sustenta fora do campo da autoajuda rasa?
Pois, se a ignorância fosse de fato uma bênção, a humanidade não deveria viver em meio a guerras, fanatismos, políticos corruptos e influenciadores que vendem milagres...
Todos esses exemplos só prosperam, pois existem pessoas demais que preferem não saber e que não fazem questão de querer saber…
Geralmente, as mesmas pessoas que utilizam esse ditado, repetindo-o como um mantra de vida, não sabem que a ignorância não é um estado de ser inocente, mas sim uma escolha conveniente.
O que é a ignorância?

Ignorância não significa apenas o “não saber”, significa também o fingir que não se quer saber.
Essa expressão remonta às ideias do poeta inglês Thomas Gray, que escreveu em 1742:
“Onde a ignorância é uma bênção, é loucura ser sábio.”
Interessante notar que a frase do Sr. Gray passou a ser utilizada como desculpa para se viver no “modo avião” existencial.
Até certo ponto, ela até pode agir como um anestésico, mas nunca agirá como uma cura.
Mas, afinal, porque a ignorância não é uma bênção?
A fim de dar mais contexto ao assunto, vamos citar alguns ensinamentos que atravessaram os séculos e ainda reverberam na atualidade.
De acordo com Sócrates, o cara que já desconcertava os atenienses há mais de dois mil anos. Ele dizia que a verdadeira sabedoria estava no ato de reconhecer a própria ignorância.
É importante destacar que ele não estava defendendo a ignorância como estilo de vida ou como virtude, mas sim apontando que a arrogância por trás do “sabemos de tudo” é muito mais perigosa do que o fato de admitirmos ser ignorantes.
Platão, seu discípulo, reforçou essa ideia em sua “Alegoria da Caverna”, na qual ele, de maneira metafórica, disse que os seres humanos estariam acorrentados no interior de uma caverna, na qual apenas observam sombras projetadas em uma parede, enquanto acreditam que estas são a realidade.
Com o avançar dos séculos, surge o camarada Nietzsche, aquele que resolveu dar um pontapé na cara do conformismo. Para ele, viver na ignorância não é uma bênção e sim um grande ato de covardia. Ele acreditava que enfrentar o conhecimento, mesmo que doloroso, é uma condição para se criar sentido e afirmar-se na verdade da própria existência.
Quando observamos a realidade objetiva atual, nos damos conta de que em plena “era da informação”, nós passamos a enfrentar um grande paradoxo. E este é:
Nós nunca tivemos tanto acesso ao conhecimento, e, ainda assim, a ignorância parece reinar suprema.
O conforto do não saber
Já escutei pessoas defenderem, mesmo que de maneira implícita, os prazeres de uma vida alienada.

O que achei, até certo ponto, compreensível. Afinal, para quê buscar conhecimento sobre si mesmo, sobre os próprios gatilhos emocionais, questionar as próprias crenças limitantes, desenvolver-se tanto e passar a não mais se contentar com promessas vazias e absolutismos disfarçados de “verdade”…?
É muito melhor ficar deitado à sombra da ignorância, pois o “saber demais” pode gerar ansiedade – mesmo sabendo que o conhecer as causas da própria ansiedade faz com que tenhamos maiores chances de aplacá-la da nossa vida.
Nesses discursos, a ignorância funciona sempre como um analgésico barato que não cura a dor, só a disfarça e adormece. Meras tentativas vãs, como se quiséssemos curar uma fratura exposta com um band-aid.
O nosso cérebro ama um atalho. Nós preferimos ter crenças confortáveis (mesmo que ilusórias) do que buscarmos um conhecimento mais profundo.
O ignorante, portanto, pode não precisar carregar o peso do conhecimento, mas poderá pagar caro por isso. Pois a ignorância em massa é combustível para a ascensão de líderes oportunistas. E, quando essa ascensão se mistura com o uso de uma fé cega, a democracia perece diante de uma sociedade incapaz de questionar seus próprios fundamentos.
Ignorância e Poder
A ignorância humana não é apenas um estado pessoal e singular; ela é, e sempre foi, uma ferramenta política.

Povos desinformados são mais fáceis de manipular e controlar. O Império Romano já sabia disso, por isso oferecia sua política de “pão e circo”.
Governos autoritários, religiões dogmáticas e até grandes marcas e corporações se alimentam diariamente da ignorância coletiva.
Quando menos questionamos, mais aceitamos tudo de maneira dócil e sem resistência. Isso funciona como um pacto silencioso, em que nós entregamos a nossa capacidade crítica e os sistemas nos devolvem promessas melífluas embrulhadas em slogans motivacionais.
No livro “1984”, George Orwell não estava apenas descrevendo um futuro distante ou um mundo não existente. Ele estava dissertando sobre a nossa tendência de autoengano coletivo. O “Grande Irmão” de hoje atende por vários nomes e estes nos convencem de que a felicidade mora em uma compra parcelada em 12x sem juros.
O que, em outras palavras quer dizer que, a ignorância é um mercado extremamente lucrativo. Ela sustenta desde seitas até conglomerados financeiros.
Afinal, por que vender conhecimento se a alienação rende muito mais?
Ignorância como Escolha
O pesquisar dói; não receber as coisas em um passe de mágica, então, nem se fala. Melhor continuarmos então, terceirizando nossas opiniões.
Deixemos a filosofia do “deixa quieto” governar por nós, é mais conveniente.
A indústria da “cura mágica” lucra, assim como a indústria do “não gosto de ler a bula”.
A ignorância sobre a educação financeira continua resultando em endividamentos e nas “surpresas” no cartão de crédito, provindas das falsas ilusões de controle, semeadas e colhidas a partir da plantação de uma massa ignorante.
Não é à toa que o conhecimento foi vendido como proibido durante tantos anos. O que deveríamos realmente aprender nas escolas, nós não aprendemos.
Mas não se engane, o hábito de ignorar não fica apenas nos terrenos corporativos, acadêmicos, políticos, culturais e religiosos. Nós também passamos a ignorar, sistematicamente, a nós mesmos, nossos desejos, quereres, sonhos e objetivos.

A ignorância pode ser uma pílula, um remédio prescrito e usado para o alívio temporário do desconforto da necessidade por conhecimento. Mas, mas cedo ou mais tarde, a conta chega e ela não vem de forma parcelada.
Portanto, se a ignorância de fato fosse uma bênção, não existiria fila nos postos de saúde e hospitais públicos, não precisaríamos pagar impostos abusivos, os quais, muitas vezes, não vemos seu retorno, não seríamos bombardeados diariamente por propagandas políticas que prometem “mudanças” há décadas.
O cúmulo da ironia é que, justamente aqueles que mais se beneficiam da nossa ignorância são os que pregam discursos de que “o povo precisa se educar”.
O mais engraçado nisso tudo – ou trágico, dependendo do seu tipo de humor – é perceber como a ignorância se disfarça de “opinião própria”. Hoje, com todas as possibilidades tecnológicas, qualquer um com uma wi-fi e 200 caracteres pode se sentir especialista em qualquer assunto.
A democracia da burrice está em alta, todo mundo fala, mas poucos realmente pensam.

O saber exige responsabilidade, a lucidez pode ser, sim, amarga, mas sem ela não existe evolução.
Portanto, a ignorância até pode parecer confortável, mas ela não passa de um estilo de preguiça mais sofisticado. Uma preguiça intelectual que custa caro.
O conhecimento, por vezes, incomoda, mas é, e sempre foi, a única chave para se viver com mais consciência, dignidade e liberdade.
Eu prefiro um mundo cheio de dúvidas incômodas, mas conscientes do que uma multidão falsamente feliz e manipulada.
O conhecimento liberta
Por fim, a ignorância até pode parecer confortável, mas esse conforto é falso, temporário, inseguro e caro.
O conhecimento pode até nos tirar da zona de conforto, mas é a única coisa que realmente liberta.
Buscar conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo é algo essencial para não se viver como uma marionete.
Agora, se você é do tipo que aprecia a busca por conhecimento tanto quanto eu, deixe seu comentário, sua crítica, suas sugestões ou até reclamações.

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“A ilusão se desfaz quando questionamos a realidade” – UN4RT
Fontes, referências e inspirações:
Thomas Gray, Ode in a Distant Prospect of Eton College.
Sócrates, Apologia de Sócrates (escrito por Platão).
Platão, A República.
Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra e Além do Bem e do Mal.
George Orwell, 1984.
Daniel Kahneman, Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar.
Zygmunt Bauman, Modernidade Líquida.
Byung Chul-Han, Sociedade do Cansaço.
Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação.




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