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A Culpa é Minha e Eu a Coloco em Quem Eu Quiser

  • Foto do escritor: UN4RTificial
    UN4RTificial
  • 27 de jun.
  • 11 min de leitura

Atualizado: 19 de ago.

Gravado por mim, sem cortes e edições, mas com áudio de qualidade :P

Se você é do tipo que acha que a culpa se trata de algo sério, de um peso na consciência ou até mesmo de um castigo divino, então prepare-se.

 

Neste breve artigo nós vamos desconstruir essa musa das noites insones, porque, convenhamos, se a culpa fosse dinheiro, muitos de nós estaríamos ricos - ou até pior, muitos escolheriam gastar essa fortuna na arte da transferência.

 

Mas afinal, o que é a culpa?

 

Todo mundo conhece essa fera a qual muitas vezes é a protagonista dos melhores e piores dramas da vida. Para alguns ela é uma companheira que ronda as decisões, os tropeços e as desventuras cotidianas. Já para outros, ela se trata de uma invenção extremamente flexível, tanto que pode ser usada como uma máscara a ser vestida ou despida à vontade.

 

Que ela pode ser tão caprichosa quanto a imaginação de um poeta, é algo que todos nós já sabemos. Por isso, sem mais delongas e de forma curta e grossa eu diria que a culpa é um sentimento que vive na fronteira entre o real e o imaginário. Ela habita a “zona cinza” da nossa mente, aquele mesmo lugar onde moram as informações que estão “na ponta da língua” e que frequentemente não conseguimos verbalizar.

 

Ela nasce naqueles momentos em que acreditamos que erramos, que fizemos algo o qual desagradou o outro ou a nós mesmos. A questão é que a culpa se trata de um conceito bem complexo, uma mistura de sentimentos morais, sociais e até mesmo biológicos.

 

Mas, antes de iniciarmos, vamos refrescar a nossa memória lembrando do significado desta palavra (dicionário Michaelis):

 

Culpa - Responsabilidade por algo, condenável ou danoso, causado a outrem.

 

Agora, daremos um pouco mais de profundidade ao assunto.

 

Responsabilidade & Culpa - Parentes distantes ou Gêmeos siameses?

 

Vamos usar como exemplo algo que já aconteceu com - quase - todo mundo. Ser demitido. A culpa foi nossa? Pode ser. Do chefe? Talvez ou provavelmente. Da crise econômica? Com certeza. A culpa sempre funciona como um jogo de luz ou sombra em uma obra expressionista: dependendo do ângulo que se olha, ela muda.

 

E é justamente em função destes diferentes ângulos que muitas pessoas insistem em confundir culpa com responsabilidade, e vice versa. Parece que o povo ama jogar tudo sempre no mesmo saco. Culpa e responsabilidade. Pensar e ter pensamentos. Esses conceitos diferentes se amam e se odeiam, tudo ao mesmo tempo.

uma mulher careca com olhos vermelhos vestida com uma armadura negra, tentáculos saem de suas mãos, atrás da mulher nuvens em um céu noturno

Falando da responsabilidade, ela é algo que nos leva adiante. É através dela que nós tomamos conhecimento das consequências dos nossos atos ao mesmo tempo que olhamos para o futuro. Já a culpa seria mais como uma jaula, a qual nos prendemos ao passado, nos condenando a reviver nossos erros em looping infinito.

 

Nesse ponto, um bom exemplo seria a visão do rígido senhor da ética, Immanuel Kant, pois ele falava muito sobre dever e moralidade. Para ele a responsabilidade é colocada como o dever de agir conforme a razão e a moral. Nesse contexto, a culpa seria o peso que sentimos ao falharmos no cumprimento do nosso dever.

 

Note que, esse peso que sentimos estaria mais relacionado a nossa percepção do que com a realidade objetiva. Mas isso não significa que devemos virar mestres em sair culpando todo mundo por tudo - mesmo que a maioria faça isso. A ideia aqui é refletirmos sobre como a culpa pode ser manipulada, usada como espada, escudo ou até mesmo como um espelho de reconhecimento de falhas, só que, de uma forma mais consciente.

 

Pois, ao obtermos conhecimento e controle sobre a culpa, ela perde o poder de nos atormentar e com isso nós percebemos o quanto nós utilizamos esse “a culpa é do/da...” como mecanismo de defesa. Muitas vezes, sem nos darmos conta que esse ato se tornou um ciclo vicioso que não ajuda em nosso desenvolvimento, mas que nos incentiva a delegar a responsabilidade da nossa própria vida à terceiros.

 

O Jogo do Empurra-Empurra

 

Nós ainda achamos difícil admitir que a culpa já virou um esporte nacional, onde pouco importa o ambiente ou contexto, a arte de apontar o dedo é sempre mais fácil e mais praticável do que assumir a própria confusão. Isso acontece porque a culpa é amplamente usada como moeda de troca à séculos. Os motivos são diversos, seja para fins de manipulação, de dominação ou até mesmo para sobrepujar alguns, enquanto outros - os verdadeiros culpados - escapam ilesos das consequências de seus atos.

 

Maquiavel já explicava em sua obra “O Príncipe” que o poder se mantém, na maioria das vezes, através da arte da manipulação, por isso, nada melhor do que “jogar a culpa” em algo ou alguém para que assim se possa manter o controle. Nós vivemos em um mundo onde admitir os próprios erros pode significar a perda de status, emprego ou até mesmo afeto. Portanto, não é de se admirar que o assumir a culpa acaba não virando nenhuma trend.

 

O Duelo das Mentes

 

Ao adentrarmos a espiral de conceitos unívocos da culpa, nós percebemos uma gama bem interessante de interpretações. Diferentes correntes filosóficas, religiosas e psicológicas abordam esse tema sob perspectivas, muitas vezes, conflitantes e, às vezes, complementares.

 

Começaremos com Sócrates, aquele cara que dizia que não sabia de nada (“Só sei que nada sei”), mas ao mesmo tempo vivia repetindo que a pessoa precisava se conhecer (“Conhece-te a ti mesmo”). Para ele, autoconhecimento era essencial. A base para se viver bem e não algo opcional como muita gente pensa hoje em dia. Sua visão é bem direta, se o indivíduo se conhece, ele não precisa sentir culpa por suas atitudes.

 

Pois é, mas antes que resolvamos jogar toda essa história na vala comum da autoindulgência, vale lembrarmos de Sartre. Sim, o francês dos óculos e da mente grandes não nos deixaria esquecer que “Nós estamos condenados a ser livres...”. No existencialismo, a culpa se trata de uma condição inevitável que está atrelada a liberdade. E, essa liberdade, por sua vez, anda de mãos dadas com a responsabilidade. A escolha sempre é nossa, por isso que com ela, muitas vezes, vem o peso do arrependimento e do remorso.

 

Traduzindo para o português isso significa que a culpa pode ser apenas uma assombração criada pela nossa própria consciência que, mal e porcamente, tenta ter nossas escolhas sob controle. Ela seria apenas um sinal de que nós vivemos de verdade e não um castigo a ser evitado custe o que custar.

 

Ainda dentro do existencialismo, Simone de Beauvoir, falava da culpa como uma reação natural da consciência que não deve ser ignorada, mas sim confrontada e utilizada como combustível para a verdadeira autenticidade e liberdade. Essa abordagem mais equilibrada, fala de encararmos a culpa como um fardo o qual não precisamos carregar eternamente, deveríamos simplesmente soltá-lo e seguir em frente.


uma mulher careca tatuada vestida de vermelho, no fundo da imagem outras mulheres vestidas de vermelho em meio a fogo e lava de vulcão

Essa ideia do ponto de vista tradicional cristão poderia soar como uma heresia. A culpa aqui, possui um papel central, sendo vista como o reconhecimento do pecado que necessita de penitência. Esse conceito molda a cultura ocidental à séculos e deu origem ao conceito de culpa paralisante e opressora que conhecemos.

 

Nietzsche chega rasgando, dizendo que a culpa se trata de algo criado pelos fracos com o objetivo de subjugar os fortes. Essa história toda não passaria de um jogo de poder entre o que chamamos de “moralidade de escravos” e “moralidade de senhores”. Ele não concordava com a culpa cristã e via isso como uma forma de escravidão mental repressora que impede os indivíduos de expressar a “vontade de poder” - o desejo de todo ser humano de se tornar o “além-do-homem” (Übermensch), aquele que rompe as amarras internas e externas e se torna quem realmente é.

 

Citando novamente o nosso amigo Kant. Ele via isso tudo de uma forma mais “normalzinha”, a culpa estava sob a luz da responsabilidade e do dever, ou seja, se não fizermos o que devemos, o sentimento de culpa nos açoitará sem dó nem piedade.

 

A psicanálise por sua vez, fala das camadas sutis. Tanto tio Freud, pai da psicanálise, quanto Lacan jogam a culpa para baixo do tapete do nosso inconsciente. Eles dizem que a culpa emerge de conflitos internos, muitas vezes inconscientes, que nos impelem a agir em busca do equilíbrio psíquico. Nesta visão, a culpa seria tanto um sintoma quando uma solução.

 

Enquanto isso, nos templos tranquilos do budismo a culpa é tratada de uma forma mais engrandecedora. Os budistas vêem a culpa como um sentimento a ser compreendido, aceito e superado para que assim o sofrimento cesse. Não existe castigo divino, apenas aprendizado e libertação.

 

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas realmente… esses contrastes nos fazem refletir sobre como encaramos a culpa real e a culpa inventada. Sim, existe também aquele tipo de culpa que nós imaginamos e saímos distribuindo por aí.

 

Como essas visões moldam as nossas decisões e nossa forma de viver? E passássemos e usar a culpa - e a responsabilidade - como ferramenta ao invés de prisão? A escolha é nossa.

 

O Supremo Tribunal do Coletivo

 

Michel Foucault, o mestre da análise das relações de poder, nos chama atenção para como a sociedade usa o controle o social afim de manter seus próprios interesses e a culpa aqui, é uma ferramenta super eficiente para esse controle continuar se perpetuando.

 

Quando falamos das caças às bruxas, ou nos Julgamentos da Inquisição, lembramos das “massas enfurecidas”, multidões de pessoas que, muitas vezes, eram movidas apenas pela culpa coletiva ou pelo medo do outro e até mesmo do desconhecido, decidindo quem deveria pagar pelo “pecado” social.

 

No mundo moderno a culpa aparece muito claramente nas redes sociais, onde o “cancelamento” virou a personificação máxima da “culpa em grupo” e da transferência desenfreada de responsabilidade. A culpa sempre foi espetáculo, onde o público - massa de manobra - é o juri e o carrasco, tudo com um toque dramático, pois quem não ama um teatrinho em nome da justiça, não é mesmo?

uma mulher careca tatuada vestida de negro em meio a vários emojis que reproduzem diferentes reações a sua imagem

Nem toda culpa jogada nas redes é verdadeira, assim como nem toda crítica é injusta. Mas como identificar isso quando não possuímos - pois não aprendemos a ter - senso crítico e quando a sanidade digital é quase inexistente?

 

O Monstro no Sótão

 

Quando a culpa deixa de ser algo externo e se instala dentro de nós, ela se transforma em uma sombra que nos acompanha a cada passo. Essa culpa internalizada gera efeitos corrosivos afetando a nossa autoestima, nossa capacidade de decisão e até mesmo nossa saúde mental.

 

Carl Gustav Jung trouxe a baila esses sentimentos reprimidos com seu conceito de “sombra” - as partes rejeitadas e reprimidas que fazem parte do nosso ser. O acúmulo de culpa, muitas vezes, faz parte dessa sombra a qual não queremos encarar. O ato de ignorar ou negar essa culpa e a própria sombra não faz com que elas desapareçam, muito pelo contrário, elas ganham ainda mais força. Quanto mais tentamos fugir da culpa, mais nos prendemos a ela.

 

Justamente por isso que o reconhecer as emoções e trabalhá-las com intuito de entendê-las se faz tão importante. Afinal, a culpa não é um castigo divino, mas sim uma reação emocional complexa que merece toda a atenção e cuidado. A liberdade talvez resida em aceitarmos a culpa como parte do pacote premium da vida, mas sem deixar que ela nos defina.

 

Brincando de “Mestre do Próprio Destino”

 

Já sabemos que a culpa é algo que podemos controlar, mas para transformar um sentimento carrasco em aliado nós precisamos de tempo e prática. Sendo assim, abaixo seguem algumas sugestões.

 

  • Pratique o autoconhecimento

Sim. Aprenda a reconhecer e re-significar suas emoções, entenda a origem delas, questione-as. Identifique padrões e crenças, Mude-os se necessário. Esse é o tipo de trabalho que ninguém pode fazer por você.

 

  • Nós não controlamos tudo

As únicas coisas as quais nós realmente temos controle são: os nossos pensamentos, sentimentos e atos. A culpa diversas vezes vem do desejo de controlar o incontrolável, como as atitudes alheias por exemplo.

 

  • Aprenda a separar o joio do trigo

Questione-se e aprenda a reconhecer a culpa real e descarte a culpa inventada. Nem toda culpa é, de fato, sua Portanto, seja brutalmente honesto consigo mesmo e separe a responsabilidade legítima do que é apenas uma projeção ou desculpa sua para agir não agir - sempre de acordo com a situação.

 

  • Nada de se afogar

Ao reconhecer a culpa real procure não se afogar nela. Olhar para o que se sente é fundamental, não ignore, MAS não fique remoendo. Trate-se como você trataria uma pessoa querida.

 

uma mulher careca, tatuada e vestida de negro com diversas flores crescendo em seu pescoço
  • Ninguém é perfeito

Frase bem clichê que significa que ninguém sai dessa vida sem errar. Quem define seus erros é você mesmo e quando aceitamos que eles irão acontecer nós nos permitimos ser imperfeitos e automaticamente damos um passo gigante em direção a liberdade de ser. Portanto, se errar faz parte do show, perdoe-se.

 

  • Busque ajuda se necessário

Terapia não é só “coisa de louco”. Estamos no ano de 2025. Vê se acorda! A maioria das pessoas sofre em silêncio, não é a toa que o índice de ansiedade e depressão nunca estiveram tão altos. Terapias e conversas com quem entende são aliadas. Ajude-se.

 

  • Desenvolva inteligência emocional e aprenda a dizer “não”

Estabeleça limites, a culpa alheia não precisa virar sua. Se você é do tipo de pessoa “esponja” - que absorve as questões alheias - já hora de você aprender que isso não significa empatia.

 

  • Saiba a origem das coisas

Da onde ou de quem esta vindo a culpa que você está sentindo? Questione-se. Você está culpando alguém ou a si mesmo em função de algo real ou imaginário?

 

  • Nada de looping

Aprenda com seus erros, ou seja, não os repita. Veja-os como um aprendizado e não como uma sentença.

 

  • Nem tudo que o status quo noticia faz sentido

Desenvolva sua consciência crítica, questione normas e padrões que te fazem sentir culpado sem razão. Estude, pesquise, o mundo está cheio de culpas sociais impostas.

 

  • Reconheça-se antes de esperar que outros o façam

Sentimentos de culpa e vergonha tendem a camuflar o reconhecimento pelas coisas que fizemos de bom. Cabe a nós nos valorizarmos de maneira honesta para que não tenhamos pensamentos absolutistas. Ninguém é 100% bom ou ruim.

 

Esteja presente na sua vida. Já deu de ficar com a cabeça no dia anterior ou no dia seguinte. Quem assume o controle da própria culpa, assume o comando da própria vida.


uma mulher careca vestindo uma armadura negra e segurando uma espada, a mulher é atingida por um raio que se funde a sua coluna vertebral, ela caminha em uma paisagem desértica
A Culpa é Nossa e o Controle Também

 

Nós ousamos afirmar que a culpa é uma invenção humana complexa, maleável, multifacetada e quase que inevitável. Mas como todo sentimento, nós também podemos aprender a manejar e redirecionar. Não se trata de uma sentença e nem de um fardo eterno.


Nem tudo que acontece ao nosso redor é nossa culpa, mas é de nossa responsabilidade. Sim, a escolha do como agir é sempre nossa. Nós podemos escolher nos afogar na culpa ou surfá-la e as melhores formas de fazermos isso é reconhecendo-a, questionando-a e transformando-a em aprendizado.

 

Continue explorando ideias “fora da curva” aqui do blog. Interaja se quiser, comente, reclame, sugira temas, questione… sinta-se livre mas com responsabilidade. E para aqueles não possuem olhos e mente sensíveis é só visitar o nosso backstage UN4RT, um espaço gratuito mas reservado para quem é realmente exigente no conhecimento e pensamento crítico.


 

 

“A ilusão se desfaz quando questionamos a realidade” - UN4RT

 

 

 


E para os questionadores espertos as fontes, referências e inspirações estão aí. 

 

  • Experiência pessoal, por diversas vezes culpei e fui culpada. Algumas dessas culpas eram reais, já outras eram completamente imaginárias. Já sofri por elas, principalmente pelas ilusórias. Já fiz muitas coisas as quais não me orgulho, mas arrependimento é uma palavra que não existe no meu dicionário. Cada lição, cada erro, cada culpa serviu para o que precisa servir. Aprendi e não as repeti. A vida acontece no agora, assim como é no agora que as culpas podem ser re-significadas.

  • Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

  • Nicolau Maquiavel, O Príncipe.

  • Sócrates, Apologia a Sócrates (escrito por Platão) e Máxima de Delfos.

  • Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada.

  • Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo.

  • Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal e Genealogia da Moral.

  • Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização.

  • Jacques Lacan, Escritos.

  • Michel Foucault, Vigiar e Punir.

  • Carl Gustav Jung, O Homem e seus Símbolos.

  • Albert Camus, O Mito de Sísifo.

  • Zygmunt Bauman, Modernidade Líquida.

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